O mito da prancha mágica

Considerado um dos grandes nomes do surf brasileiro, Daniel Friedmann começou a surfar em 1968, ainda com pranchas de madeira.

Títulos importantes no currículo não faltam: três torneios nacionais (1974, 76 e 77), além da conquista do Waimea 5000 de 1977, então etapa do circuito mundial no Brasil.

Hoje Friedmann tornou-se um dos mais respeitados shapers do cenário nacional, com vários anos de experiência na fabricação de pranchas de alta performance.

Na entrevista abaixo, ele conta como funciona o mercado atual e sua relação com as novas tecnologias disponíveis em uma sala de shape.

Daniel, você é considerado um ícone, tanto do free surf, como do surf de competição que marcou e influenciou várias gerações de surfistas e é reconhecido até hoje não só nacionalmente, mas também no cenário do surf mundial. Como você vê o surf profissional nos dias de hoje?

Fico feliz em ver a evolução que tivemos tanto na parte de eventos, premiações, e patrocínios, mas o mais importante é que a cada dia temos mais atletas exibindo potencial de um dia poder realizar o sonho de um dia o campeão mundial ser brasileiro.

Qual é sua opinião sobre os atuais free surfers, tanto os big riders brasileiros como os que praticam surf de exibição e representam o Brasil em eventos e filmes e suas relações com as grandes empresas patrocinadoras? Você acha que este tipo de apoio e patrocínio está em evolução a despeito do surf profissional competitivo (WQS, WT, WLT)?

Os atletas brasileiros como sempre têm se mostrado dispostos a superar todas as dificuldades para estar lá fazendo a diferença. Com certeza estamos escrevendo nossa história no surf não através de um, mas sim através de gerações que comprovam a garra brasileira e o desejo de estar presente na evolução do esporte.

O apoio aos atletas nas categorias de acesso é fundamental para viabilizar a participação nas categorias principais. Sem um patrocínio fica mais difícil de chegar lá. Precisamos acreditar mais, pois o investimento nestes atletas é o que viabilizará a oportunidade de um campeão mundial brasileiro.

Mudando radicalmente de tópico, estamos vivendo uma evolução e até mesmo uma revolução nos materiais que compõem nossas pranchas. Parece que este processo de revolução coincidiu com alguns fatos ocorridos no final da dos anos 90, tais como mudanças na legislação ambiental nos Estados Unidos, mais precisamente no Estado da Califórnia, o que talvez tenha ocasionado a saída do mercado de uma grande empresa norte-americana de fabricação de blocos de espuma de poliuretano. Fatos como este ajudaram na aceleração de materiais alternativos, como os blocos de EPS (isopor) combinados com resinas de epóxi. Você concorda com esta linha de raciocínio? Na qualidade de fabricante de pranchas, fale um pouco sobre o assunto em questão.

O desenvolvimento com epóxi é antigo. O que ocorreu nos EUA apenas acelerou seu posicionamento junto ao mercado. Tive a primeira oportunidade de verificar as vantagens do EPS em 1978 quando participava de uma competição em Santos no Quebra-Mar.

A prancha era feia, porém muito mais leve do que a que usávamos na época e a partir daí iniciei um processo de confecção e aprimoramento do EPS com resina epóxi produzindo pranchas para o meu uso. Recordo-me que o cariocão de 1980 venci com uma prancha que era feita em epóxi e todos se perguntavam o que eu estava fazendo com aquela prancha velha na competição.

Infelizmente naquela época a qualidade do epóxi não permitia um bom acabamento e a maioria das pranchas era pintada por cima dando uma aparência estranha e envelhecida. Somente bem mais tarde vim a conhecer o Flavio Carioca que desenvolveu o kit Keahana que, além de facilitar o trabalho em EPS e epóxi, trouxe ao mercado uma condição de viabilizar uma produção comercial destas pranchas dando as mesmas características visuais de uma prancha normal acrescentando a ela mais resistência e mais leveza.

Com esta nova apresentação as pranchas de EPS vinham conquistando seu espaço e no mesmo momento a situação nos EUA agilizou um processo que já estava em andamento.

Depois de vários anos de fabricação de pranchas de surf de alta performance, funboards, longboards, pranchas retrô e até os Sup’s, o Epóxi e o EPS, em sua opinião, já estão em um nível satisfatório para substituir a tradicional resina de poliéster e a espuma de poliuretano em todas as modalidades de equipamentos? Quais são as vantagens e, caso existam, em sua opinião, as desvantagens das pranchas de Epóxi? Gostaríamos que você, com sua experiência, falasse também em outros materiais que já estão sendo utilizados na fabricação das pranchas e outros que possam estar em desenvolvimento para que as pranchas “mágicas” possam ser perfeitamente reproduzidas.

Sou suspeito para falar sobre este assunto, pois 80% de minha produção é em EPS e Keahana. Sempre procurei por materiais que dessem mais agilidade e leveza ao equipamento. O custo-benefício também é levado em consideração em uma produção comercial, já que produzir uma prancha com materiais alternativos pode se tornar uma dor de cabeça e um custo fora da realidade.

O EPS e o Keahana para todas as condições se mostraram competitivos, pois reuniram praticamente todos os requisitos necessários para estar no mercado. Durabilidade, resistência e leveza.

Parece que as máquinas de shape que chegaram ao cenário de fabricação de pranchas são bem precisas e foram bem aceitas por grande parte dos shapers no sentido de agilização na produção dos shapes e maior proximidade na reprodução das chamadas pranchas “mágicas”.

Você acha que tal processo é uma realidade positiva? Será que as pranchas shapeadas sem a pré-usinagem estão ou estarão obsoletas, tendo em vista que uma criação de uma determinada prancha pode ser desenhada e programada no computador, por meio do qual são transferidas curvas e medidas para as máquinas de shapes? Será que o shaper, sem a máquina, está em processo de extinção?

Prancha mágica é uma palavra que soa como se a prancha fizesse tudo sozinha. Não coloco nenhuma prancha neste patamar. Você estaria limitando sua habilidade e dando total crédito a um equipamento que reproduz sua capacidade sobre as ondas. Uma boa prancha sim. Uma ótima prancha também, mas mágica não. Muitos consideram a prancha mágica pela facilidade que ela lhe leva a seu desempenho dentro da água.

Toda prancha deve ser superada, deve ser melhorada. Caso contrário não estaríamos evoluindo e sim estaríamos surfando uma prancha mágica de madeira de 70 kg.

As máquinas de shape são uma evolução do processo de produção e comercialização das pranchas, mais que uma fiel cópia de uma boa prancha. Depois do término do shape ainda temos várias etapas que podem influenciar positivamente ou negativamente no desempenho de uma prancha. As máquinas de shape vieram para agilizar o trabalho pesado no desbaste do bloco facilitando o acabamento final do shape.

Se shape é arte, nunca a máquina irá sumir com o artista. Conhecer as linhas que se harmonizar na confecção de uma prancha por trás de uma tradicional plaina e pura arte, arte de escultura, arte de shape. Transformar um bloco retangular em uma prancha é arte e Shape. Não diria que o shaper está em extinção. Eu diria que está havendo uma seleção natural entre aqueles que realmente têm o prazer pela arte e irão shapear mesmo que com um ralador de queijo, daqueles que sem um aparato industrial ficam perdidos sem saber por onde começar.

Para finalizar, que mensagem você gostaria de transmitir às novas gerações de surfistas e às novas gerações de fabricantes de pranchas?

Por anos chegamos perto. Incomodamos bastante. Tivemos garra e temos potencial. Precisamos acreditar, investir e superar as barreiras para um dia sermos campeões mundiais.


Por waves.com.br
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...